Felicidade como aptidão a ser desenvolvida
3 de setembro de 2020
Entrevista | Médico e pesquisador do
Ibict, Jorge Biolchini destaca a importância de práticas como a meditação para
melhorar a qualidade de vida
*Por: Jacira Cabral da Silveira
*Foto de capa: Arquivo pessoal
Para Jorge Biolchini, coordenador do curso de Plenitude
Mental (Mindfulness) oferecido pelo Departamento de Medicina da PUC-Rio,
felicidade é a capacidade humana de ser fértil, ou seja, é mais que um estado
de espírito momentâneo, é um processo. É algo que pode aumentar ou diminuir e
que pode vir acompanhada de um ou mais estados de ânimo. Graduado em Medicina
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é doutor em Ciência da
Informação pelo PPGCI/IBICT-UFRJ, com doutorado sanduíche no National Center
for Biomedical Communications (NIH, EUA) e pós-doutorado na COPPE/UFRJ.
Atualmente também é um dos coordenadores do Observatório
de Evidências Científicas Covid-19, uma iniciativa do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), em parceria com o MCTI.
Em entrevista ao JU, ele aprofunda o tema da felicidade como uma capacidade a
ser desenvolvida, aspecto que em tempos de isolamento social assume especial
relevância.
Considerando tua formação em
saúde preventiva e o teor do curso que coordenas na PUC-RJ sobre plenitude
mental, felicidade é uma prescrição médica?
Está se tornando, e tem estudos sobre isso, baseados em evidências científicas.
Só um dado, por exemplo: se você medita, aumenta os indicadores de felicidade
de fato. E isso pode ser comprovado no seu cérebro por exames de imagens. Pode
ser comprovado porque você melhora seu cortisol, melhora seu índice de
estresse, de sono, do sistema imunológico e cardiovascular. E melhora também a
parte emocional e, com isso, você afeta o potencial de se sentir mais feliz de
fato. Isso vem sendo estudado.
Alguns campos da
medicina estão mais à frente nesses estudos. Tornam-se cada vez mais um
objetivo a ser alcançado o bem-estar, a felicidade. Uma coisa bem interessante
é que a felicidade é uma palavra que a gente usa muito mais como bem-estar,
alegria.
A palavra felicidade em grego é muito mais rica em
significado porque quer dizer fertilidade, a capacidade de você ser fértil. É a
capacidade de ser criativa, produtiva, que vai bem além de um estado emocional,
de alegria.
Como anda a felicidade nestes
últimos meses com o isolamento social?
Têm aparecido algumas iniciativas interessantes das pessoas usando esses
recursos de conferência, de plataforma, para fazerem aniversários, reuniões
sociais, até brindar cada um na sua casa. Têm formas bem criativas de você não
se sentir isolado – porque na verdade o ponto central nessa questão é você se
sentir isolado.
É claro que estar junto, pegar na mão e dar um
abraço, dar um beijo, isso tem por si só um efeito que a tecnologia não supre.
Mas você pode pelo menos reduzir o impacto negativo, fazendo conexão
audiovisual. Daí a pessoa se sente “como se estivesse próxima”. Isso estimula
áreas emocionais e afetivas do seu cérebro, e tem uma série de efeitos que você
pode até comprovar em laboratório.
Eu mesmo, desde o início da pandemia, tive que rapidamente transformar
uma turma presencial em online, aí criei uma série de meditações que fazia
durante várias semanas e que fiz durante alguns meses, todos os dias, às 8h da
manhã, de segunda a sexta. Mais recentemente, passei a fazer uma vez por
semana, alguma coisa que a pessoa pode por si só continuar. E percebi, pelo
feedback das pessoas, como era importante o fato de saberem que naquele momento
iam estar juntas, mesmo que não vissem umas às outras, porque, ao fazer
meditação online, você tem que silenciar o microfone de todo mundo, só fica
ligado o do instrutor. Mesmo assim, a sensação de pertencimento, de união de
grupo, de saber que tem alguém ali disposto a tornar você mais feliz… Recebi
vários depoimentos: “Nossa meu dia foi diferente”.
A felicidade, assim
como qualquer virtude humana, você também precisa cultivar. É como um
jardineiro, como um agricultor que dedica seu tempo e sua energia pra sua
plantação ir crescendo e se fortalecendo.
Meditação é a mesma coisa, não adianta você fazer um curso e nunca mais
praticar, é preciso se dedicar, se não aquilo não sai do lugar em você.
Felicidade não, felicidade é uma capacidade, como um potencial que você
tem de capacidade. Seria como a inteligência, como algumas capacidades que nós
temos. E nada disso é estático, nem a inteligência é estática. Você não nasce
com um QI “X” e mantém esse QI o tempo todo, tudo é modulável. E cada vez mais
se sabe que tudo na nossa mente, no nosso cérebro, é modulável, é muito
dinâmico.
Um instrumentista, se não treinar, piora sua performance, assim é com
tudo. A capacidade que a mente e o corpo têm de recuperar é impressionante, é
muito rápida, ainda mais relacionada a alguma coisa que você já fez. Um exemplo
clássico é andar de bicicleta, que, ainda que você deixe de pedalar durante
anos, no início fica inseguro, mas rapidamente é como se você não tivesse
deixado de andar. Então, a capacidade humana de corpo e mente de retomar
algo e levar para um patamar mais elevado é impressionante.
O pensamento positivo pode ser ilusório, a gente consegue criar um
pensamento, entre aspas, do nada, mas o quanto aquele pensamento está
sustentado na realidade? Está ligado à emoção? O pensamento pode ser como
uma nuvem que está solta no ar. Mas é a maneira como você lida com ele é o que
muda. O aprendizado vai bastante nessa direção, na maneira de aprender a lidar
com as coisas que acontecem com você, sejam sensações físicas, sejam
sentimentos, sejam pensamentos. Dez pessoas recebem uma mesma notícia, cada uma
vai reagir de um modo. Ué, por que, se o fato é o mesmo? Porque é a maneira com
que cada um lida. Nós não somos vítimas dos fatos, o que acontece é em função
de como você lida, não da coisa externa a você.
Jacira Cabral da Silveira é repórter e editora executiva do
JU. (Jornal da Universidade)
https://www.ufrgs.br/jornal/felicidade-como-aptidao-a-ser-desenvolvida/